A Consagração do Vazio: O Delírio de uma Sociedade em Colapso se Torna Gagá

🅱️LOG SEM 🅰️RRUDEI🅾️

Que tempos são esses em que pensar virou transgressão e ter lucidez equivale a subversão? Em meio ao colapso dos hospitais, à degradação das escolas e à proliferação da violência nos interstícios da indiferença, vemos multidões em êxtase se comprimindo não em torno de ideias, valores ou visões de mundo, mas em torno de um frenesi sonoro cuja magnitude técnica suplanta qualquer traço de substância. A sociedade, sem exagero, mergulhou num estado de senilidade simbólica — alienada, desorientada, obcecada por distrações que embotam o juízo e afundam ainda mais a dignidade coletiva, tanto no plano material quanto no simbólico.
Não se trata de desprezar a arte, tampouco de deslegitimar a música ou o espetáculo como expressões legítimas do espírito humano. A denúncia recai sobre o descompasso grotesco entre a euforia de um show e a penúria cotidiana de uma nação. A idolatria midiática, impulsionada por algoritmos e luzes, assume contornos quase clínicos, elevando personagens efêmeros à condição de deuses descartáveis, cuja função é desviar a atenção, embotar a crítica e reforçar o conformismo. O que se glorifica, no fundo, não é o artista, mas a rendição do espírito humano ao entretenimento vazio. E o espetáculo, em sua pompa cenográfica, serve como véu para encobrir o colapso da razão.
Ainda mais inquietante é a participação entusiasta do poder público nesse transe coletivo. Governantes que deveriam priorizar o saneamento da saúde, o fortalecimento da educação e a proteção da cidadania preferem investir em catarse popular de curta duração, financiando eventos que, sob a desculpa do “lazer para o povo”, desviam recursos públicos em nome de dividendos políticos rápidos. A lógica é tão antiga quanto eficaz: enquanto se dança, não se protesta; enquanto se vibra, não se pensa; enquanto o aplauso ressoa, as urgências reais permanecem soterradas pelo silêncio institucional. É o velho método do pão e circo, agora travestido de festival pop e hashtag patrocinada.
O mais grave, porém, não é o gasto em si, mas aquilo que ele revela. Cada centavo direcionado ao delírio enquanto a estrutura básica desmorona é um escárnio à razão, um tapa na ética, uma ironia perversa que transforma a festa em símbolo de desprezo pela cidadania. A população, sedada por estímulos sensoriais, já não percebe o quanto se tornou espectadora passiva da própria decadência, aplaudindo com fervor a irrelevância enquanto a dignidade se esvai sem testemunhas.
Aqui, o termo “gagá” extrapola sua acepção vulgar e se torna uma metáfora de um tempo desnorteado. Ser gagá, hoje, é habitar um presente sem passado e sem projeto de futuro. É preferir a performance à construção, o instante ao legado, o ruído à reflexão. É confundir espetáculo com consciência, audiência com comunidade, e entretenimento com transformação.
Enquanto todos os olhares se voltam para o palco, as fundações ruem em silêncio. Enquanto se vibra por ídolos reluzentes, morre-se nas filas de espera, e profissionais da ciência e do ensino são tratados como peças obsoletas de um país que desaprendeu a valorizar quem pensa.
A senilidade, portanto, é coletiva — um estado emocional e cognitivo que aponta para a falência do discernimento social. E por mais luzes que se acendam nos palcos, elas não apagam a sombra da decadência. Ao contrário: a iluminam em detalhes cada vez mais visíveis.
Talvez, um dia, ao despertar do transe, essa mesma sociedade perceba que, ao ovacionar o efêmero, deixou ruir o essencial — sem alarde, sem testemunhas, sem volta.
Texto – Oliver Harden
Blog Sem ARRUDEIO
Perfeita apreciação do mundo doente de hoje